O aperfeiçoamento institucional do Judiciário e a evolução social

Por Ricardo Carvalho Fraga – Vice-presidente do TRT-RS

A avaliação da mediação no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), em questões coletivas, no ano de 2018 e início deste, é altamente positiva. Para esse resultado satisfatório, muito contribuíram a dedicação e o espírito público do empresariado, dos trabalhadores, dos sindicalistas de ambas as partes, dos advogados, bem como do Ministério Público do Trabalho.

O esforço para alguma teorização é impactado, acentuadamente, pelas incertezas do futuro, bem menos fácil, aparentemente.

No TRT-4, realiza-se a instrução e tentativa de conciliação de dissídios coletivos, tal como nos demais TRTs. Mas há mais de 10 anos realiza-se também a mediação, buscando a solução de várias questões coletivas e mesmo a elaboração de normas para registro perante as autoridades administrativas (veja mais aqui).

No trato de questões coletivas pontuais, não necessariamente normas coletivas completas, pode-se apontar que um terço delas foi proposta pelas empresas e/ou entidades patronais. Em relevante evento, adiante mencionado, já se ouviu falar em “pauta patronal”.

Nos dias atuais, teve-se conhecimento de duas regulamentações, especialmente para dar encaminhamento aos novos tempos, posteriores à Lei 13.467. Em São Paulo, buscou-se mesclar os aprendizados de “arbitragem”. As novidades são as regulamentações do TRT-2 (SP) e do TST, respectivamente, o Ato GP 52/2018 e o Ato GVP 01.

Aqui no TRT-4 os temas mais presentes, nas audiências de terças e quintas-feiras, de 2018 e início de 2019, foram:

  • contribuição assistencial;
  • homologações das rescisões, especialmente de contratos de maior duração, no sindicato ou na empesa, com a presença de representante sindical;
  • regimes compensatórios de horário os mais variados, frequentemente trazidos como reivindicação das entidades patronais;
  • índices de reajuste, com menores controvérsias, eis que não expressivos; e
  • questões específicas de algum segmento.

Na área de saúde e de transporte público coletivo ocorreram mediações com maiores controvérsias.

As dificuldades no setor público, dos municípios, estado e União, seguidamente, foram ainda maiores. Note-se que nos referimos aos celetistas das diversas empresas públicas e assemelhadas, e não aos estatutários. Houve, até mesmo, o caso de 19 audiências.

A Lei 13.467, certamente, alterou o quadro mais geral das negociações coletivas de trabalho. Pretendeu simplificar e afastar as previsões legislativas, em alguns temas e subtemas, inclusive nos limites da jornada.

Sabemos, igualmente, por outro lado, da existência de uma “tendência expansiva del principio de legalidade” (Pacual Ortuño Muñoz, Justicia sin Jueces, Barcelona: Ariel, 2018, página 20). São fenômenos bem distintos que a melhor criatividade saberá buscar compatibilizar.

O acréscimo da litigiosidade ocorre em todo o Ocidente, exatamente pelos motivos antes expostos. Aqui, em nosso país, mais recentemente, viu-se a oportunidade de buscar a experiência, não mais quase exclusivamente dos países da Europa Continental, e sim também dos EUA.

O Código de Processo Civil atual aponta a solução da uniformização da jurisprudência. Entre tantos estudos e debates sobre essas situações em nosso país e outros, registramos cinco vídeos:

A evolução da humanidade não indica que os regramentos, especialmente na área social, não sejam mais úteis. O Estado de bem-estar tem aprendizados não superados. Recorde-se que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) completará seu primeiro século.

Toda exclusão haverá de ser superada. A participação, inclusive, é orientação constitucional, seja nos espaços privados e, mais ainda, nos públicos, nas esferas administrativas e mesmo judiciais. No Poder Judiciário, já se conhece a Resolução 221 do CNJ, por exemplo.

Já se fala até mesmo em novos conceitos, tais como neoprocessualismo e neoconstitucionalismo, gestão cooparticipativa, convenções processuais, juiz gestor, adaptabilidade procedimental, modelo cooperativo calendarização, entre outros (Campos, Eduardo Luiz Cavalcanti, O Princípio da Eficiência no Processo Civil Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 2018).

A novidade maior, talvez, esteja na necessidade inadiável de que as autoridades, todas, contribuam para a conservação e construção das condições para o convívio participativo e democrático.

Essas foram as ideias centrais que apresentei em março em seminário na Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), sobre relações do trabalho.

Estiveram presentes, pois, o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro Lélio Bentes Corrêa e a presidente do TRT-4, desembargadora Vania Cunha Mattos, bem como outros palestrantes, advogados, empresários e convidados.

A Medida Provisória 873 não estava entre os temas do painel para o qual fui convidado; aliás, o convite foi anterior a tal MP. De qualquer modo, ali registrei a grande contribuição ao melhor debate e soluções civilizadas trazidas pela letra “a” do Comunicado Técnico do Conselho de Relações de Trabalho da Fiergs, número 42, de 15 de março de 2019. Silenciei, totalmente, sobre as letras “b”, “c”, “d” porque são objetos de mediações que coordeno e eventuais julgamentos judiciais que posso vir a participar.

 

Fonte: https://www.conjur.com.br/2019-abr-14/ricardo-fraga-aperfeicoamento-judiciario-evolucao-social

APEJUST integra Fórum Institucional de Defesa da Justiça do Trabalho

Por Evandro Krebs – Presidente da APEJUST

 

À frente da APEJUST – RS (Associação dos Peritos na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul) e já em seu quinto mandato, o presidente da entidade, Evandro Krebs comemora os bons resultados de sua gestão, destacada inclusive por tradicionais premiações voltadas à comunidade empresarial gaúcha.

Hoje, com uma carteira superior a mil associados, a APEJUST encabeça uma luta em defesa da Justiça do Trabalho, embalada desde a implantação da Reforma Trabalhista pelo véu da insegurança, com consequências ainda imprevisíveis no contexto empregado x empregador. “Estamos lutando para que este fantasma desapareça. A Justiça do Trabalho é um marco na evolução social deste país e desempenha um papel fundamental como fator de equilíbrio na relação capital-trabalho”, defende o presidente. “A JT é a garantia de preservação dos direitos sociais”.

A avaliação do presidente é de que a Reforma Trabalhista, embora com a necessidade de alguns ajustes, “deveria ter sido discutida amplamente com a sociedade. “Houve imposição de uma dispositivo que retirou conquistas históricas do trabalhador”. O cenário impulsionou a criação de um Fórum, o FIDEJUST – Fórum Institucional de Defesa da Justiça do Trabalho, que passa a debater e a articular ações com foco na conscientização da importância da JT no País e sobre os riscos inconstitucionais de redução dos direitos sociais e da precarização do judiciário trabalhista, contando com o apoio de mais de 30 entidades relacionadas ao judiciário, à sociedade como um todo, incluindo as centrais sindicais. “No dia 7 de fevereiro lançamos a plataforma digital do FIDEJUST, reforçando a defesa da preservação dos direitos sociais no País”.

Desembargadores, juízes, advogados, promotores, servidores do judiciário, peritos, trabalhadores em geral apoiam a iniciativa que deverá levar seus anseios nas próximas semanas ao Congresso Nacional para um debate aberto envolvendo a Justiça do Trabalho.

As questões da Reforma Trabalhista ainda deixam dúvidas quanto à atividade pericial, o que gera insegurança à classe, com retrações até mesmo no ajuizamento de novos processos trabalhistas, o que impulsiona a APEJUST a outros movimentos. Um deles, o maior reconhecimento do papel destes profissionais, contando com alinhamento e apoio de instituições como o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (AMATRA IV), Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (AGETRA) e Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (SATERGS) entre outras.

Por outro lado, a APEJUST (http://www.apejust.com.br/) também foca na qualificação setorial. Krebs salienta que os processos, praticamente todos eletrônicos, hoje, exigem demandas cada vez mais rápidas e adequação do perfil do perito como um todo, o que impulsionou a Associação a ofertar aos seus associados um mix de serviços que passam por novas ferramentas de trabalho, cursos de aperfeiçoamento e especialização, educação continuada e visão de cenários, por exemplo. A sede da entidade, localizada na Av. Getúlio Vargas, 1570/506, em Porto Alegre, serve de palco para reuniões de associados e cursos complementares, atendendo a estas e a outras demandas de mercado. (Clarisse Ledur)

 

Fonte: http://www.osul.com.br/apejust-lanca-forum-institucional-de-defesa-da-justica-do-trabalho-entidade-tambem-centra-esforcos-na-qualificacao-setorial/

Em 1ª sessão de julgamento do ano, presidente da 5ª Turma do TRT-RS manifesta-se em defesa da justiça do Trabalho

Por Claúdio Antônio Cassou Barbosa – Desembargador e Presidente da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS)

 

O presidente da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), desembargador Cláudio Antônio Cassou Barbosa, manifestou-se em defesa da Justiça do Trabalho na primeira sessão de julgamento do colegiado em 2019, ocorrida na última quarta-feira (19/2). Na ocasião, o magistrado destacou os recentes atos em defesa da instituição, falou sobre o contexto político que estamos vivendo e destacou a celeridade e a importância da Justiça do Trabalho como ramo que garante a efetividade dos direitos sociais dos trabalhadores. Leia, abaixo, a manifestação na íntegra:

“Quando a 5a Turma do TRT realiza sua 1a sessão de julgamentos de 2019, com mais de 300 processos na pauta, considero importante registrar nosso compromisso com a justiça, esta Justiça Especializada.

Ainda em férias, pude participar de três atos públicos, dia 21 de janeiro em Porto Alegre, no Foro Trabalhista, dia 05 de fevereiro em Brasília, no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, e ao retornar ao trabalho dia 07 de fevereiro no Plenário deste TRT, onde foi lançada a plataforma digital do FIDEJUST (www.fidejust.com.br).

Todos estes atos foram convocados em defesa da Justiça do Trabalho pela sua valorização em face da ameaça de extinção. Pude testemunhar, nestes momentos, uma verdadeira comunhão entre magistrados, advogados, representantes do MPT, peritos, servidores públicos, centrais sindicais, parlamentares, todos preocupados com a possibilidade, anunciada pelo Sr. Presidente da República, de ser proposta Emenda Constitucional com este objetivo.

Não se trata de defender um direito corporativo, ao contrário, trata-se de garantir o acesso à Justiça de parte da sociedade brasileira, para a solução dos conflitos individuais e coletivos do trabalho. Dados do CNJ, portanto oficiais e públicos, atestam ser a Justiça do Trabalho brasileira célere e efetiva, o que reforça a ideia de que os ataques a ela desferidos estão relacionados ao seu mérito e sua obra.

Uma campanha baseada em mentiras, como está  virando costume nos tempos de internet e redes sociais, não pode ser tolerada. Devemos divulgar os textos e publicações que esclarecem a verdade, entre elas a existência da Justiça do Trabalho em diversos países do mundo, tais como Alemanha, Espanha, Reino Unido, França, Austrália, Nova Zelândia, Chile, Argentina, Peru, México, entre outros tantos.

Tempos em que o Ministério do Trabalho foi extinto no Brasil, embora os fatos atestem a necessidade de a fiscalização do trabalho ser em muito incrementada, sobretudo após os mais recentes acidentes de trabalho, que vitimaram mais de 200 trabalhadores da mineradora Vale em MG, e 10 jovens atletas no RJ, nos episódios do rompimento da barragem de resíduos de minérios, e o incêndio no CT do CR Flamengo.

Estas tragédias, que nos fazem chorar e prestar solidariedade, devem servir também de alerta, para a importância e o papel do Estado, seja para fiscalizar e punir quem não cumpre a legislação e as normas de  prevenção, segurança e saúde laboral, seja para garantir que exista um Ministério Público atuante e um judiciário especializado, que seja capaz de dar as respostas às estas demandas individuais e coletivas, para reparar minimamente tantos danos causados, pela ganância do capital, ou pelo simples descuido com as vidas humanas.

Porém, a pauta política infelizmente anda no sentido contrário: o governo apresenta uma nova reforma da previdência, onde pretende dificultar ao trabalhador o acesso aos benefícios da aposentadoria ou a pensão por morte pelos beneficiários, e se anuncia uma nova carteira de trabalho (verde e amarela), onde o trabalhador poderá “optar” por não ter sequer os mínimos direitos consagrados no artigo 7º da CF !

Alguém por certo dirá: não se pode extinguir a Justiça do Trabalho, e não se pode romper a igualdade entre os trabalhadores, sob pena de ofensa a cláusulas pétreas da Constituição! Sim, mas eu pergunto: teremos um poder judiciário livre e soberano para invocar a supremacia da Constituição? Perdoem-me o desabafo, mas o momento é de apreensão.

Antes de acreditar que são apenas boatos e que o pior não irá acontecer, impõe-se sejamos fortes e corajosos para levar adiante a bandeira dos direitos sociais, para que as próximas gerações nossos filhos e netos, possam se orgulhar dos nossos gestos e palavras.

Encerro aqui este breve registro, para iniciarmos 2019 com esperança e fé no futuro. Sigamos cumprindo nosso dever de distribuir justiça, de observar a Constituição e as leis, os princípios do Direito do Trabalho, e no caso concreto a prova realizada pelas partes em cada processo.”

 

Fonte: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/214010

O Conto da Carteira Verde e Amarela

Por Cesar Zucatti Pritsch – Juiz do Trabalho

Declarações do governo reacenderam a polêmica da “carteira verde e amarela”, sem direitos como 13º, férias e FGTS, supostamente para gerar mais “empregos”. Sustenta-se que seria “opção”, “ninguém mexe em direitos, mas daremos novas alternativas”, mas o próprio presidente já disse que a legislação trabalhista “vai ter que se aproximar da informalidade”.

Iria o governo ao ponto de disfarçadamente revogar direitos constitucionais? Tornar direitos aparentemente “opcionais” evitaria a inconstitucionalidade por ofensa a cláusulas pétreas?

Negativo. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: … os direitos e garantias individuais” (parág. 4º, IV, do art. 60 da Constituição), dentre os quais estão os direitos dos trabalhadores, art. 7º. O constituinte buscou evitar que maiorias temporárias pudessem aniquilar conquistas civilizatórias, seja alterando a Constituição, seja por seu esvaziamento, “tendente” a abolir tais direitos.

É o caso aqui. A “opção” pela carteira “verde e amarela”, nua de direitos, é ilusória. Alguém acredita no conto de que tal contrato não será imposto como condição de contratação?

Tivemos situação idêntica nos anos 60. O empregado que atingisse 10 anos de serviço só poderia ser despedido por falta grave ou força maior (art. 492 da CLT). No entanto, sem revogar tal artigo, foi criado sistema paralelo. O trabalhador “optaria” por não ter direito à estabilidade em troca receber depósitos mensais de 8% do salário em um Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço. Todos sabem o que aconteceu, a partir de 1967 ninguém mais era contratado se não exercesse a “opção” pelo FGTS, renunciando à estabilidade.

A mudança agora será mais cruel – o trabalhador renunciará a seus direitos em troca de …nada. Pela rotatividade de empregados, em 5 ou 6 anos quase todos já terão exercido tal “opção”. O regime atual, com os direitos constitucionais trabalhistas, terá virado pó, “tendendo” à abolição, violando o §4º do art. 60 da Constituição.

Acredita-se que o governo não se arriscará em tamanho ataque à Constituição, já que uma rejeição no Congresso lhe desgastaria. Todavia, se impuser renúncia a direitos constitucionais mediante tal opção fictícia, e se tal inconstitucionalidade não for detectada pelo próprio Parlamento, o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Judiciário é o destino mais provável.

Organização da sociedade e trabalho

Por Ricardo Carvalho Fraga – Vice-presidente do TRT-RS

Madri sem serviço de táxi. Greve iniciada ao final de janeiro de 2019 ultrapassou duas semanas. Foram 17 dias.

Barcelona sem aplicativos Uber e Cabify ao início de fevereiro de 2019. Três mil motoristas estavam cadastrados. Autoridades municipais e empresas negociam sobre as consequências.

Aqui, no Rio Grande do Sul, foram 194 (cento e noventa e quatro) audiências de mediação em questões coletivas no ano de 2018 e início de 2019, relativas a 93 processos.

Destes 93 processos, 36 mediações tiveram êxito nas soluções, das quais oito em dissídios coletivos e 28 em petições para negociações propriamente ditas, seja para estabelecimento de convenções ou acordos coletivos, ou seja, para questões coletivas pontuais de uma ou outra categoria ou empresa.

A reforma trabalhista da Lei 13.467/17 resultou em novos debates.

Os temas com maior controvérsia foram as contribuições assistenciais aos sindicatos de empregados e patronais, os diversos regimes compensatórios de horário e banco de horas, as homologações das rescisões contratuais em números crescentes e, por óbvio, os índices de reajustes.

Outras questões também foram objeto de tratativas, tais como pendências de greves anteriores, participação nos lucros e resultados, dias de pagamento dos salários com atraso em razão das dificuldades dos orçamentos públicos e despedidas coletivas.

Especialmente, nas mencionadas 28 petições, a iniciativa foi:

– mais de um terço pelos trabalhadores;

– algumas a pedido de ambas as partes ou por iniciativa judicial; e

– quase um terço pelas empresas.

A dinâmica da economia e a complexidade das relações trabalhistas exigem o diálogo constante. As novas empresas “de plataforma” causam impacto ainda não mensurado socialmente, por exemplo. É ingênua toda afirmativa ou lei que diga da desnecessidade de diálogo nas relações trabalhistas, inclusive e, acima de tudo, com a presença das autoridades judiciais.

Alguns animais trabalham por instinto, no relato de Harry Braverman. Os homens, provavelmente, têm o instinto de não trabalhar sem a promessa da justa recompensa.

JUSTIÇA DO TRABALHO HOJE E SEMPRE

Vania Cunha Mattos
Presidente do TRT da 4a Região

Com a tragédia nacional de Brumadinho, mais do que nunca a Justiça do Trabalho será essencial para a análise do maior acidente do trabalho coletivo nacional de que se tem notícia, no mínimo nos últimos vinte anos. Oficialmente a lista de mortos chegou a 58 pessoas, das quais 16 foram identificadas. Em conformidade com bombeiros, 192 pessoas foram localizadas e 305 continuam desaparecidas, entre funcionários da Vale e moradores da região.
Em que pese o imenso dano ao meio ambiente, mas no meu entender, o imensurável é o dano humano. A maioria das pessoas “desaparecidas” são trabalhadores contratados pela Vale e terceirizados. Essa é a dolorosa realidade desta tragédia. E mais uma vez como em tantas outras oportunidades a Justiça do Trabalho cumprirá o seu papel constitucional de recomposição pelo menos monetária às famílias das vítimas que morreram no exercício do seu trabalho.
É isso.

Justiça do Trabalho será a primeira a definir responsabilidades sobre a tragédia de Brumadinho. E há quem queira extingui-la

Por Rodrigo Trindade

A tragédia de Brumadinho já é um dos mais destruidores acidentes de trabalho do Brasil e o mais grave evento de violação às normas de segurança laboral da mineração nacional. Embora ainda não se conheça ao certo o número de mortos e feridos, sabe-se que centenas de trabalhadores da Vale – diretos e terceirizados – estão entre os primeiros afetados.

Durante o final de semana, os procuradores do Ministério Público do Trabalho de Minas Gerais prepararam, e ajuizarão na segunda-feira (28 de janeiro), ação civil pública contra a empresa. É uma das primeiras medidas judiciais buscando os ressarcimentos mais urgentes e resguardo de patrimônio para cumprimento de prováveis condenações. Busca-se bloqueio de R$ 1.6 bilhão para custear pensões, tratamentos médicos e despesas com funerais. O MPT também pretende que, com a ação, a Vale seja impedida de cortar salários dos funcionários afetados e um mínimo de dignidade seja garantido.

E é bom que se diga, desde a tragédia de Mariana, em 2015, o MPT investigou, apontou irregularidades e deficiências. Em Brumadinho, as medidas indicadas não foram atendidas pela empresa, pela via administrativa.

A destruição do Ministério do Trabalho, detentor de estruturas de fiscalização da segurança laboral, já mostra o caminho das fatalidades. A tragédia da vez surge quando se chega às bordas da irresponsabilidade de sugerir extinção de Justiça do Trabalho e Ministério Público do Trabalho. Pois é justamente a partir desses órgãos que centenas de trabalhadores e famílias enlutadas exigirão pensões, tratamento médico e reparações justas por mortes e mutilações.

Mas a ação civil pública não será suficiente. Seguindo-se o conhecido histórico nacional da fuga de responsabilidades, teremos diversas ações individuais, de trabalhadores diretos e terceirizados, postulando o que deveria ser de cumprimento espontâneo. E para esse tipo de demanda, celeridade e efetividade são essenciais.

“Ah, mas as ações trabalhistas podiam ir outros ramos do Judiciário”, costumam dizer os simplistas. A Justiça do Trabalho é a mais rápida do país, decidirá sobre os afetados da Vale, e executará as sentenças, anos antes das reparações cíveis e responsabilizações criminais. Ninguém mais se engana: a efetividade de punir poderosos incomoda a delinquência.

Todas essas ações serão analisadas por juízes e juízas do trabalho com formação, sensibilidade e experiência que permitem compreender a urgência de famílias que perdem o sustento, sabem da recorrência das escapadas de responsabilidades com pobres, conhecem a frequência (e eficiência) de esconder patrimônio e recorrer ao infinito.

Brumadinho não foi o primeiro acidente, ainda está longe de ser o último, mas que todos possam seguir com um espaço estatal adequado para estabelecer medidas preventivas, reconhecer culpados e fixar reparações justas. Para quem duvida da necessidade de uma justiça especializada do trabalho, as medidas mais rápidas e efetivas em uma das maiores tragédias da história nacional podem responder bem. Basta não deixar que a lama também entre nos olhos.

JUSTIÇA DO TRABALHO. QUESTÕES COMPLEXAS. NOVOS DESAFIOS.

Vania Cunha Mattos
Presidente do TRT da 4a Região

Não parece tarefa fácil nos dias atuais, em que tudo se resume a respostas com pouca ou nenhuma reflexão, em articular argumentos que possam ser compreendidos por uma sociedade isenta de qualquer preconceito, em favor de uma ideia que temos certeza como correta – a permanência da Justiça do Trabalho como a única justiça capaz de resolver os conflitos entre o capital e o trabalho.

O importante, nestes tempos de muita improvisação, é que o próprio jurisdicionado tenha consciência da importância da Justiça do Trabalho, que integra o Poder Judiciário desde a Constituição Federal de 1946, como a única justiça com visão social, mas, ao mesmo tempo, atenta à dinâmica dos novos tempos econômicos e políticos, tendo nas diversas décadas de profícuo trabalho de todos os seus agentes sido capaz de se reinventar e procurar novos caminhos, que cada vez mais justificam a sua existência. A Justiça do Trabalho sempre exerceu um protagonismo em relação às outras justiças. Foram as sentenças trabalhistas as primeiras a serem prolatadas com a utilização do computador, assim como a partir das ações trabalhistas se passou a ter uma compreensão mais aprofundada do trabalho realizado com o uso da informática e os reflexos que tudo isso produziu no trabalho e no trabalhador. Esta nova realidade exerceu alteração mais do que profunda nos serviços anteriormente realizados pelos empregados bancários, por exemplo.

A informática, a internet, produziram uma revolução em toda a cadeia produtiva e geraram a exigência de novas competências e de um novo perfil de trabalhador. Registro ainda, que a Justiça do Trabalho tornou real o processo eletrônico em todo o país, o que permite um maior dinamismo na sua atuação, afora os mais diversos recursos efetivados graças à informática, com o estabelecimento dos diversos convênios – BACEN-JUD, DETRANS, JUNTAS COMERCIAIS, REGISTROS DE IMÓVEIS –, dentre tantos outros, que permitem a maior celeridade na concretização de suas decisões. E se todos estes argumentos ainda não suficientes para justificar a eficiência e a celeridade da Justiça do Trabalho, deve ser mencionado, neste ponto, que desde as primeiras alterações do Código de Processo Civil e do Código Civil foram copiadas normas e práticas específicas da Justiça do Trabalho, como a inserção da obrigatoriedade da conciliação e a denominada despersonalização da pessoa jurídica, para ficar em dois exemplos, no mínimo, praticados desde 1943 no âmbito da Justiça do Trabalho, muito especialmente, no primeiro grau de jurisdição.

A conciliação e a mediação são mecanismos integrantes da realidade diuturna da Justiça do Trabalho, impedindo greves, uma grande maioria, em serviços essenciais, assim como estabelecendo condições de trabalho entre as categorias – profissional e econômica -, mas, essencialmente, resolvendo conflitos com a convergência de vontade das partes, o que assegura a pacificação social e o equilíbrio entre o capital e o trabalho.

Hoje, o grande papel da Justiça do Trabalho é o de impedir a formulação repetitiva de lides relativas a idênticas pretensões, prática arraigada em décadas anteriores, ou mesmo o incentivo nefasto de discussão via jurisprudencial sobre matérias que, indiscutivelmente, deveriam ser solucionadas por meio de competentes projetos de lei. Estas práticas em nada contribuíram para o aperfeiçoamento da instituição, e, sim, produziram atividade predatória da jurisdição.
Não se trata de impedir o acesso à justiça, princípio constitucional inerente a qualquer país dito civilizado, mas de estabelecer objetivamente e com um mínimo de organização gerencial, a resolução dos conflitos de forma coletiva, com economia de tempo e de recursos.

Este novo papel a Justiça do Trabalho tem executado de forma eficiente e eficaz, e os números das conciliações em todos os graus de jurisdição têm se tornado prática constante, o que permite afirmar que não só a Justiça do Trabalho cumpre a jurisdição de forma eficiente e eficaz, como produz a aproximação mais do que necessária entre as partes para a resolução dos conflitos.

É certo que todos aqueles que sem maiores argumentos propugnam pela extinção da Justiça do Trabalho – ideia, de resto, não inédita e reiterada no mínimo há mais de vinte anos –, não desconhecem que os conflitos entre o capital e o trabalho não irão desaparecer junto com a justiça especializada. Ora, os conflitos existirão sempre que alguém descumpre a lei ou viola alguns dos direitos mínimos assegurados aos trabalhadores, insertos na Constituição Federal, e, portanto, garantia do valor social do trabalho efetivamente reconhecido, por igual, constitucionalmente, exatamente porque a única forma de assegurar a sobrevivência digna de qualquer ser humano e de sua família.
O valor social do trabalho representa o parâmetro de qualquer sociedade livre, democrática, que há séculos aboliu a escravidão como método produtivo. A evolução da sociedade não permite práticas inerentes aos séculos XVII, XVIII e início do século XIX, com jornadas extenuantes de trabalho, trabalho infantil ou mesmo formas de dominação frente à fome ou miséria. Não se pode admitir trabalho que não esteja em consonância com limitação de jornada ou que máquinas e equipamentos utilizados no trabalho possam produzir acidentes ou mortes. E, de resto, os arautos da extinção da Justiça do Trabalho possivelmente desconhecem a função arrecadadora de contribuições previdenciárias e fiscais decorrentes das suas decisões, que lhe foi atribuída desde a Emenda Constitucional no 45, de 08 de dezembro de 2004, o que significa dizer que o governo federal arrecada sem qualquer custo, graças à estrutura da Justiça do Trabalho e o trabalho exclusivo dos juízes trabalhistas de todo o país, assim como dos servidores, peritos e advogados. E, neste ponto, o processo eletrônico trabalhista, implementado em todo território nacional, afora a agilidade da sua constituição, produz a transparência inequívoca de todos os seus atos e, em especial, do que arrecada, sem que nenhum centavo seja desviado de sua finalidade.

A significativa quantia arrecadada de contribuições previdenciárias, de R$2.371.427.524,95, e fiscais, de R$ 339.048.214,55, dados até outubro de 2018, em todo o país, permite concluir que ainda que a justiça não tenha sido estruturada para dar lucro, porque outra a sua finalidade, fundamento emergente desde os estudos filosóficos da República de Platão, mas, ainda assim, a Justiça do Trabalho, desde 2004, produz lucro. Importante mencionar que na Quarta Região, desde dezembro de 2018, é publicada no sítio do Tribunal listagem de todos os processos em tramitação no primeiro e segundo grau no Estado, o que permite a partes e advogados a efetiva verificação da situação de cada processo individualmente de forma mais do que transparente, além da produtividade de cada magistrado. Tudo isto representa uma nova forma de comunicação com a sociedade e a certeza da efetividade da jurisdição.

Neste viés, e como este tem por objetivo propor mudanças efetivas e representativas do aperfeiçoamento da Justiça do Trabalho, indico que há, necessariamente, de haver alargamento da sua competência constitucional. Não se admite que os trabalhadores que tenham tido o reconhecimento dos seus vínculos de emprego na Justiça do Trabalho sejam compelidos a ajuizar nova ação na Justiça Federal para o reconhecimento do tempo de serviço perante a Previdência Social. Esta matéria é inerente à competência constitucional da Justiça do Trabalho – artigo 114 da Constituição Federal, alterada pela Emenda Constitucional no 45, de 2004.
Assim como os acidentes do trabalho, a função arrecadadora de contribuições previdenciárias e o imposto de renda decorrentes dos processos trabalhistas foram agregados à competência constitucional desta Justiça a partir da referida Emenda Constitucional citada, proponho, nesta data o alargamento desta competência, com a inserção das demandas previdenciárias, hoje afetas à Justiça Federal. Não há razão para que, imediatamente ao reconhecimento de vínculo de emprego, este tempo de serviço não seja agregado à Previdência Social.

E, da mesma forma, as ações que visam haver diferenças do FGTS também devem ser agregadas à competência da Justiça do Trabalho, por não se justificar que as instituições não se comuniquem – órgão arrecadador, no caso, a Caixa Econômica Federal, a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal. Ora, se a Justiça do Trabalho reconhece que determinada empresa não recolhe corretamente os valores devidos ao FGTS e condena no seu recolhimento, deve ser capaz de solucionar as lides que visam a haver daquela as diferenças dos recolhimentos de todos os empregados, indistintamente.

A falta de interlocução entre as instituições acarreta a repetição de atos e procedimentos, afora a impossibilidade, na maioria das vezes, da verificação do que foi recolhido decorrente da condenação pela Justiça do Trabalho e do que é efetivamente devido em razão da ação na Justiça Federal, no que resulta, não raras vezes, em duplicidade de recolhimentos, afora o inequívoco aporte de recursos para a mesma finalidade. Por fim, resta fazer o registro sobre os depósitos judiciais – pressuposto de admissibilidade dos recursos na Justiça do Trabalho –, que enquanto o processo tramita, permanecem à disposição de bancos oficiais, sem que a correção monetária corresponda ao valor efetivamente devido. E tanto é verdade, que ao retornar o processo para ser executado, os valores dos depósitos recursais, que por destinação deveriam garantir a integralidade da execução, pouco ou nada significam, o que importa dizer que este volume gigantesco de recursos está posto à disposição dos bancos, sem que as partes envolvidas – empregados e empresas – tenham qualquer vantagem.

Há urgência na alteração dos índices de correção monetária incidentes nos depósitos judiciais para que sejam os valores efetivamente devidos em cada processo. A imobilização de ativos das diversas empresas demandadas em todo o país, sem os efetivos e justos índices de correção monetária, são indicativos claros de recursos desviados da esfera produtiva para a financeira. Registro, por importante, que o momento atual pelo qual atravessa o país, há situações muito complexas, o que exige uma visão aperfeiçoada não só dos fundamentos econômicos ou financeiros, mas, essencialmente, da reestruturação organizacional das instituições, que devem ser pautadas pela ética e honestidade, o que, por certo, não passa pela extinção da Justiça do Trabalho, uma justiça célere, com cunho social, que visa garantir limites mínimos de cidadania e dignidade.

“Extinguir a Justiça do Trabalho prejudicará trabalhador e empregador”, de autoria da juíza Carolina Gralha, presidente da Amatra IV

Texto originalmente publicado no jornal Zero Hora, edição de 12 janeiro de 2019.

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Carolina Gralha

As declarações do Presidente da República, Jair Bolsonaro, a respeito da existência da Justiça do Trabalho (ou o seu fim) geraram diversos debates, dividindo opiniões. Mas para travarmos uma discussão franca e honesta, todos nós devemos nos despir das ideologias, dos preconceitos (seriam pré-conceitos?) e do corporativismo.

Não há como negar que é a Justiça do Trabalho que pacifica os conflitos decorrentes das relações sociais do trabalho, historicamente desiguais no nosso país, o que facilmente se constata pela atual estatística de que em 58% dos processos solucionados o que se pede é o pagamento de verbas rescisórias – ou seja, empregados que perdem seus postos de trabalho e não recebem sequer aviso prévio, férias, décimo terceiro salário e FGTS. De igual forma, é a Justiça do Trabalho que condena e cobra o empregador que deixa de cumprir a lei – sonegando não só direitos do trabalhador, mas também INSS, imposto de renda e outros tributos –, coibindo, assim, a concorrência desleal no mercado em relação ao empregador que observa rigorosamente a legislação. Aliás, há que se desmistificar a tão repetida falácia de que a Justiça do Trabalho é parcial em favor do trabalhador, pois nessa Justiça apenas 2% das ações são julgadas totalmente procedentes (o empregado ganha a causa), 12% são improcedentes (o empregado perde a causa) e 49% são solucionadas por acordo entre as partes (Dados TRT4 – 2017).

Poderíamos mencionar, também, as intensas atuações na prevenção e combate ao trabalho infantil, trabalho escravo e mortes e doenças decorrentes das relações do trabalho.

Contudo, além de casos individuais, esta Justiça Especializada contribui para melhorar a vida das pessoas. Recentes exemplos dão conta do quanto a atuação deste ramo influencia em toda a sociedade – como os casos das crises do transporte público em Pelotas e da saúde pública em Canoas – situações em que os juízes do trabalho agiram para que os serviços fossem regularizados sem maiores prejuízos a todos – trabalhadores, empregadores e população. É assim que a Justiça do Trabalho atua, sem lados, de forma mais eficiente, conciliadora e célere comparada a todos os demais ramos do Poder Judiciário, conforme dados do CNJ.

Extinguir a Justiça do Trabalho – que existe em diversos países como a Alemanha e Israel – não levará ao desaparecimento dos conflitos. Eles persistirão, pois é a lei mais básica que é descumprida. A solução de encaminhar estas demandas à justiça comum – já assoberbada de processos – apenas retardará e tornará mais cara a solução dos processos, o que prejudicará trabalhador e empregador.

Desemprego se combate com investimento e desoneração da folha, por exemplo, e não com a extinção de uma Justiça que garante patamares mínimos de civilidade em uma sociedade justa e equilibrada.

As turbulências nos jogam para os lados extremos, mas há um caminho ao meio – de manutenção e aperfeiçoamento constante das estruturas eficientes e este deve ser a nossa escolha.

Carolina Hostyn Gralha
Juíza do Trabalho e presidente da Amatra IV

Fonte: Secom/TRT4