‘Não existe a menor possibilidade de a Justiça do Trabalho ser extinta’

A industrialização de países emergentes trouxe com ela uma problemática já presente nos países europeus: a mediação da relação entre capital e trabalhador. Foi assim que, em meados de 1920, mostraram-se os primeiros traços do que conhecemos hoje como Justiça do Trabalho. Primeiro, foram medidas estaduais que abrangeram o tema.

Em 1923, surgiu a primeira iniciativa em âmbito nacional: a criação do Conselho Nacional do Trabalho (Decreto nº 16.027). Foi em 1934 que a Constituição estabeleceu, em seu artigo 122, a criação da Justiça do Trabalho. A ampliação de sua abrangência foi crescendo. Como resultado, em 1946 houve um novo passo em direção ao ramo especializado como conhecemos hoje: desde então, esta Justiça compõe o Poder Judiciário, junto a Justiça Eleitoral, Militar e Comum.

No entanto, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, essa esfera jurídica parece estar sob ameaça. Já em sua primeira entrevista após a posse, Bolsonaro cogitou a possibilidade de extinção da Justiça, que vinha sendo aventada desde a campanha eleitoral. De acordo com ele, no Brasil há excesso de proteção ao trabalhador, e não é necessário existir uma Justiça especializada. “Qual país que tem (Justiça do Trabalho)? Já temos a Justiça normal”, afirmou. Diversos países, porém, tem Justiças próximas a nossa, como a Alemanha. Uma afirmação parecida já foi feita em 1999, pelo então presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães.

À época, o senador do Democratas (DEM), disse que manter o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e a Justiça do Trabalho “é anacrônico e não pode existir em um país que quer se desenvolver”. “Nada aconteceu e a Justiça do Trabalho continuará sendo a única capaz de resolver os conflitos do capital e trabalho”, ressalta a desembargadora Vania Cunha Mattos, presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT-4).

Ela lembra que, desde então, a Justiça já passou pela Constituição de 1967, a Emenda Constitucional de 1969, o período da ditadura militar e a Constituição de 1988. E, mesmo com todas as mudanças políticas e sociais, conseguiu manter sua relevância. “A Justiça do Trabalho veio para ficar. Não tem a menor possibilidade de ser extinta”, enfatiza a desembargadora.

O Conto da Carteira Verde e Amarela

Por Cesar Zucatti Pritsch – Juiz do Trabalho

Declarações do governo reacenderam a polêmica da “carteira verde e amarela”, sem direitos como 13º, férias e FGTS, supostamente para gerar mais “empregos”. Sustenta-se que seria “opção”, “ninguém mexe em direitos, mas daremos novas alternativas”, mas o próprio presidente já disse que a legislação trabalhista “vai ter que se aproximar da informalidade”.

Iria o governo ao ponto de disfarçadamente revogar direitos constitucionais? Tornar direitos aparentemente “opcionais” evitaria a inconstitucionalidade por ofensa a cláusulas pétreas?

Negativo. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: … os direitos e garantias individuais” (parág. 4º, IV, do art. 60 da Constituição), dentre os quais estão os direitos dos trabalhadores, art. 7º. O constituinte buscou evitar que maiorias temporárias pudessem aniquilar conquistas civilizatórias, seja alterando a Constituição, seja por seu esvaziamento, “tendente” a abolir tais direitos.

É o caso aqui. A “opção” pela carteira “verde e amarela”, nua de direitos, é ilusória. Alguém acredita no conto de que tal contrato não será imposto como condição de contratação?

Tivemos situação idêntica nos anos 60. O empregado que atingisse 10 anos de serviço só poderia ser despedido por falta grave ou força maior (art. 492 da CLT). No entanto, sem revogar tal artigo, foi criado sistema paralelo. O trabalhador “optaria” por não ter direito à estabilidade em troca receber depósitos mensais de 8% do salário em um Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço. Todos sabem o que aconteceu, a partir de 1967 ninguém mais era contratado se não exercesse a “opção” pelo FGTS, renunciando à estabilidade.

A mudança agora será mais cruel – o trabalhador renunciará a seus direitos em troca de …nada. Pela rotatividade de empregados, em 5 ou 6 anos quase todos já terão exercido tal “opção”. O regime atual, com os direitos constitucionais trabalhistas, terá virado pó, “tendendo” à abolição, violando o §4º do art. 60 da Constituição.

Acredita-se que o governo não se arriscará em tamanho ataque à Constituição, já que uma rejeição no Congresso lhe desgastaria. Todavia, se impuser renúncia a direitos constitucionais mediante tal opção fictícia, e se tal inconstitucionalidade não for detectada pelo próprio Parlamento, o reconhecimento da inconstitucionalidade pelo Judiciário é o destino mais provável.

Organização da sociedade e trabalho

Por Ricardo Carvalho Fraga – Vice-presidente do TRT-RS

Madri sem serviço de táxi. Greve iniciada ao final de janeiro de 2019 ultrapassou duas semanas. Foram 17 dias.

Barcelona sem aplicativos Uber e Cabify ao início de fevereiro de 2019. Três mil motoristas estavam cadastrados. Autoridades municipais e empresas negociam sobre as consequências.

Aqui, no Rio Grande do Sul, foram 194 (cento e noventa e quatro) audiências de mediação em questões coletivas no ano de 2018 e início de 2019, relativas a 93 processos.

Destes 93 processos, 36 mediações tiveram êxito nas soluções, das quais oito em dissídios coletivos e 28 em petições para negociações propriamente ditas, seja para estabelecimento de convenções ou acordos coletivos, ou seja, para questões coletivas pontuais de uma ou outra categoria ou empresa.

A reforma trabalhista da Lei 13.467/17 resultou em novos debates.

Os temas com maior controvérsia foram as contribuições assistenciais aos sindicatos de empregados e patronais, os diversos regimes compensatórios de horário e banco de horas, as homologações das rescisões contratuais em números crescentes e, por óbvio, os índices de reajustes.

Outras questões também foram objeto de tratativas, tais como pendências de greves anteriores, participação nos lucros e resultados, dias de pagamento dos salários com atraso em razão das dificuldades dos orçamentos públicos e despedidas coletivas.

Especialmente, nas mencionadas 28 petições, a iniciativa foi:

– mais de um terço pelos trabalhadores;

– algumas a pedido de ambas as partes ou por iniciativa judicial; e

– quase um terço pelas empresas.

A dinâmica da economia e a complexidade das relações trabalhistas exigem o diálogo constante. As novas empresas “de plataforma” causam impacto ainda não mensurado socialmente, por exemplo. É ingênua toda afirmativa ou lei que diga da desnecessidade de diálogo nas relações trabalhistas, inclusive e, acima de tudo, com a presença das autoridades judiciais.

Alguns animais trabalham por instinto, no relato de Harry Braverman. Os homens, provavelmente, têm o instinto de não trabalhar sem a promessa da justa recompensa.

Ato público lança Fórum Institucional de Defesa da Justiça do Trabalho

Um ato público marcou o lançamento do Fórum Institucional de Defesa da Justiça do Trabalho (Fidejust) nesta quinta-feira (7/2), em Porto Alegre. O evento reuniu cidadãos e representantes de 25 entidades no Plenário Milton Dutra do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS). O Fidejust terá atuação no âmbito estadual, com o objetivo de coordenar e desenvolver a comunicação digital de todas as ações de valorização, fortalecimento e defesa da Justiça do Trabalho como ramo especializado do Poder Judiciário.

Acesse aqui o álbum de fotos do evento.

Assista ao vídeo completo do ato público no WebCanal do TRT-RS no Youtube.

Em seu pronunciamento, a presidente do TRT-RS, desembargadora Vania Cunha Mattos, declarou que, historicamente, a Justiça do Trabalho vem desempenhando seu papel com equilíbrio e celeridade para solucionar conflitos entre empregados e empregadores. A magistrada acrescentou que a Instituição desempenha uma importante função arrecadatória. “Em 2018, conforme o site do TST, a Justiça do Trabalho brasileira arrecadou para os cofres públicos da União R$ 9 bilhões, derivados de custas, emolumentos incidentes sobre os processos e multas aplicadas pela fiscalização do trabalho”, informou. A presidente também defendeu a necessidade de alargamento da competência constitucional da Justiça do Trabalho de modo a torná-la ainda mais eficiente. Entre as propostas, a magistrada mencionou que a Justiça do Trabalho deveria ter a competência para o reconhecimento do tempo de serviço perante a Previdência Social quando houver a constatação de um vínculo de emprego, sem que o trabalhador precise ajuizar uma nova ação na Justiça Federal.

Vania Cunha Mattos também mencionou a recente tragédia ocorrida em Brumadinho/MG, que vitimou centenas de pessoas e se converteu no maior acidente de trabalho coletivo do Brasil nos últimos vinte anos. Além de manifestar seu pesar pelas vítimas, a magistrada elogiou as providências tomadas pela Justiça do Trabalho, como o bloqueio de valores para garantir as indenizações de empregados e terceirizados. “Neste episódio fatídico, no qual restou evidenciada a falta de fiscalização mínima, a ganância e a pouca ou nenhuma consideração pela vida humana, a Justiça do Trabalho será a responsável por, ao menos economicamente, diminuir o prejuízo das famílias de 296 empregados e terceirizados”, afirmou.

Leia o discurso da presidente do TRT-RS na íntegra.

A ministra Maria Helena Mallmann, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), afirmou que, desde a década de 30, quando ocorreu a tramitação do projeto de criação da Justiça do Trabalho, houve um debate que opôs visões antagônicas sobre o modelo que deveria ser adotado pelo Brasil. Conforme a ministra, restou triunfante a ideia de que era necessário criar uma Justiça especializada e comprometida com a realidade social. A magistrada ressaltou que o Judiciário Trabalhista sempre cumpriu seu papel, mas sofreu diversos ataques ao longo de sua história, sobretudo a partir da década de 90, e que esse cenário volta a surgir atualmente. “Não podemos deixar que sejam fragilizadas as Instituições que asseguram a fiscalização da lei e sua efetividade. Na verdade, talvez tenhamos que pensar em criminalização das ações contra a legislação do Trabalho, em penas mais severas, e quem sabe em um pacote para impedir que novas infrações sejam cometidas. Depois da tragédia acontecida recentemente em Brumadinho, não podemos abrir mão de qualquer Instituição que atue na fiscalização e assegure o cumprimento das normas trabalhistas”, refletiu.

Fórum propõe reforço do diálogo para a defesa da Justiça do Trabalho

O presidente da Associação dos Peritos na Justiça do Trabalho do Estado do Rio Grande do Sul (Apejust), Evandro Krebs Gonçalves, apresentou ao público o site do Fidejust, que propõe um canal de diálogo permanente entre as entidades relacionadas com a Justiça do Trabalho e a sociedade. O representante da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Antonio Colussi, elogiou o esforço coletivo das entidades para a criação do Fidejust: “Este é um modelo que precisamos exportar para todo o Brasil, temos que mostrar a nossos colegas, à sociedade brasileira, que é possível nos organizarmos em prol de uma ideia comum”, destacou o magistrado. A presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (Amatra IV), juíza Carolina Hostyn Gralha, defendeu a importância do Judiciário Trabalhista para o país. “A Justiça do Trabalho vive por ser humana, por ouvir, acolher e distribuir justiça para quem está do lado da lei. Entregamos um trabalho célere, eficaz, transparente e especializado”, declarou. O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no RS (MPT-RS), procurador regional do Trabalho Victor Hugo Laitano, afirmou que a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho são um fim em si mesmo, porque integram um sistema de defesa e promoção de direitos sociais que são alvo de ameaças permanentes. “A Justiça do Trabalho tem um papel relevante para combater o trabalho infantil, o assédio moral, o trabalho escravo, e mortes e doenças decorrentes da relações de trabalho, mazelas que movem a atuação do MPT. Em 2018, tivemos 103 mil novas denúncias de irregularidades trabalhistas no Brasil, sendo 7,8 mil no Rio Grande do Sul”, informou.

O vice-presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Jorge Luiz Dias Fara, destacou a importância do debate promovido pelo Fidejust, que envolve representantes de toda a sociedade civil organizada. “A Justiça do Trabalho não pode ser extinta, ela está a serviço da cidadania”, sublinhou. O vice-presidente da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra), Álvaro Klein, manifestou seu repúdio aos discursos que pregam a extinção do Judiciário Trabalhista. “A extinção da Justiça do Trabalho só ocorreria em consequência de uma política que busca a proteção exclusiva de valores econômicos e a desproteção de valores humanitários”, criticou. O vice-presidente da Associação de Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (Satergs), Camilo Gomes de Macedo, reafirmou a postura da associação na defesa do Judiciário Trabalhista. “A Justiça do Trabalho é muito grande e forte, temos muito espaço para o diálogo e não podemos deixar de lutar”, declarou. O representante da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), Denis Rodrigues Einloft, também elogiou o resgate do diálogo proposto pelo Fidejust: “É importante ouvir os empresários e os trabalhadores, ouvir e refletir. Só assim é possível o crescimento e a consolidação da defesa da Justiça do Trabalho como instituição”, observou. O dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União no Rio Grande do Sul (Sintrajufe-RS), Cristiano Bernardino Moreira, afirmou que a luta em defesa da Justiça do Trabalho é antiga, mas que atualmente se mostra cada vez mais necessária. “Temos o desafio de também levar esse diálogo para fora daqui e ouvir os trabalhadores, que seriam os maiores prejudicados com o fim desta Instituição. Acredito muito na força do conjunto da classe trabalhadora em defesa da democracia. Desejo que este fórum tenha essa capacidade de diálogo, para construirmos uma resistência cada vez maior”, afirmou.

O Fidejust

Além do TRT-RS, são participantes do Fidejust a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da IV Região (AmatraIV), a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), a Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra), a Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul (Satergs), o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS), o Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União no Rio Grande do Sul (Sintrajufe-RS), a seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), a Procuradoria Geral do Estado do RS (PGE-RS), a Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), a Associação dos Peritos na Justiça do Trabalho (Apejust), a Associação Juízes para a Democracia (AJD), a Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho (ALJT), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul (Femargs/RS), o Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (Ipeatra), a Associação de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais do Rio Grande do Sul (Assojaf-RS), o Conselho de Diretores de Secretaria da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Coditra), a Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), a Federação Nacional das Associações de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (Fenassojaf), o Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora (Intersindical), o Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Tributária do Estado do RS (Sindifisco-RS) e o Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do RS (SindPPD-RS).
Fim do corpo da notícia.
Fonte: texto de Guilherme Villa Verde, fotos de Inácio do Canto (Secom/TRT-RS)