Vania Cunha Mattos
Presidente do TRT da 4a Região
Não parece tarefa fácil nos dias atuais, em que tudo se resume a respostas com pouca ou nenhuma reflexão, em articular argumentos que possam ser compreendidos por uma sociedade isenta de qualquer preconceito, em favor de uma ideia que temos certeza como correta – a permanência da Justiça do Trabalho como a única justiça capaz de resolver os conflitos entre o capital e o trabalho.
O importante, nestes tempos de muita improvisação, é que o próprio jurisdicionado tenha consciência da importância da Justiça do Trabalho, que integra o Poder Judiciário desde a Constituição Federal de 1946, como a única justiça com visão social, mas, ao mesmo tempo, atenta à dinâmica dos novos tempos econômicos e políticos, tendo nas diversas décadas de profícuo trabalho de todos os seus agentes sido capaz de se reinventar e procurar novos caminhos, que cada vez mais justificam a sua existência. A Justiça do Trabalho sempre exerceu um protagonismo em relação às outras justiças. Foram as sentenças trabalhistas as primeiras a serem prolatadas com a utilização do computador, assim como a partir das ações trabalhistas se passou a ter uma compreensão mais aprofundada do trabalho realizado com o uso da informática e os reflexos que tudo isso produziu no trabalho e no trabalhador. Esta nova realidade exerceu alteração mais do que profunda nos serviços anteriormente realizados pelos empregados bancários, por exemplo.
A informática, a internet, produziram uma revolução em toda a cadeia produtiva e geraram a exigência de novas competências e de um novo perfil de trabalhador. Registro ainda, que a Justiça do Trabalho tornou real o processo eletrônico em todo o país, o que permite um maior dinamismo na sua atuação, afora os mais diversos recursos efetivados graças à informática, com o estabelecimento dos diversos convênios – BACEN-JUD, DETRANS, JUNTAS COMERCIAIS, REGISTROS DE IMÓVEIS –, dentre tantos outros, que permitem a maior celeridade na concretização de suas decisões. E se todos estes argumentos ainda não suficientes para justificar a eficiência e a celeridade da Justiça do Trabalho, deve ser mencionado, neste ponto, que desde as primeiras alterações do Código de Processo Civil e do Código Civil foram copiadas normas e práticas específicas da Justiça do Trabalho, como a inserção da obrigatoriedade da conciliação e a denominada despersonalização da pessoa jurídica, para ficar em dois exemplos, no mínimo, praticados desde 1943 no âmbito da Justiça do Trabalho, muito especialmente, no primeiro grau de jurisdição.
A conciliação e a mediação são mecanismos integrantes da realidade diuturna da Justiça do Trabalho, impedindo greves, uma grande maioria, em serviços essenciais, assim como estabelecendo condições de trabalho entre as categorias – profissional e econômica -, mas, essencialmente, resolvendo conflitos com a convergência de vontade das partes, o que assegura a pacificação social e o equilíbrio entre o capital e o trabalho.
Hoje, o grande papel da Justiça do Trabalho é o de impedir a formulação repetitiva de lides relativas a idênticas pretensões, prática arraigada em décadas anteriores, ou mesmo o incentivo nefasto de discussão via jurisprudencial sobre matérias que, indiscutivelmente, deveriam ser solucionadas por meio de competentes projetos de lei. Estas práticas em nada contribuíram para o aperfeiçoamento da instituição, e, sim, produziram atividade predatória da jurisdição.
Não se trata de impedir o acesso à justiça, princípio constitucional inerente a qualquer país dito civilizado, mas de estabelecer objetivamente e com um mínimo de organização gerencial, a resolução dos conflitos de forma coletiva, com economia de tempo e de recursos.
Este novo papel a Justiça do Trabalho tem executado de forma eficiente e eficaz, e os números das conciliações em todos os graus de jurisdição têm se tornado prática constante, o que permite afirmar que não só a Justiça do Trabalho cumpre a jurisdição de forma eficiente e eficaz, como produz a aproximação mais do que necessária entre as partes para a resolução dos conflitos.
É certo que todos aqueles que sem maiores argumentos propugnam pela extinção da Justiça do Trabalho – ideia, de resto, não inédita e reiterada no mínimo há mais de vinte anos –, não desconhecem que os conflitos entre o capital e o trabalho não irão desaparecer junto com a justiça especializada. Ora, os conflitos existirão sempre que alguém descumpre a lei ou viola alguns dos direitos mínimos assegurados aos trabalhadores, insertos na Constituição Federal, e, portanto, garantia do valor social do trabalho efetivamente reconhecido, por igual, constitucionalmente, exatamente porque a única forma de assegurar a sobrevivência digna de qualquer ser humano e de sua família.
O valor social do trabalho representa o parâmetro de qualquer sociedade livre, democrática, que há séculos aboliu a escravidão como método produtivo. A evolução da sociedade não permite práticas inerentes aos séculos XVII, XVIII e início do século XIX, com jornadas extenuantes de trabalho, trabalho infantil ou mesmo formas de dominação frente à fome ou miséria. Não se pode admitir trabalho que não esteja em consonância com limitação de jornada ou que máquinas e equipamentos utilizados no trabalho possam produzir acidentes ou mortes. E, de resto, os arautos da extinção da Justiça do Trabalho possivelmente desconhecem a função arrecadadora de contribuições previdenciárias e fiscais decorrentes das suas decisões, que lhe foi atribuída desde a Emenda Constitucional no 45, de 08 de dezembro de 2004, o que significa dizer que o governo federal arrecada sem qualquer custo, graças à estrutura da Justiça do Trabalho e o trabalho exclusivo dos juízes trabalhistas de todo o país, assim como dos servidores, peritos e advogados. E, neste ponto, o processo eletrônico trabalhista, implementado em todo território nacional, afora a agilidade da sua constituição, produz a transparência inequívoca de todos os seus atos e, em especial, do que arrecada, sem que nenhum centavo seja desviado de sua finalidade.
A significativa quantia arrecadada de contribuições previdenciárias, de R$2.371.427.524,95, e fiscais, de R$ 339.048.214,55, dados até outubro de 2018, em todo o país, permite concluir que ainda que a justiça não tenha sido estruturada para dar lucro, porque outra a sua finalidade, fundamento emergente desde os estudos filosóficos da República de Platão, mas, ainda assim, a Justiça do Trabalho, desde 2004, produz lucro. Importante mencionar que na Quarta Região, desde dezembro de 2018, é publicada no sítio do Tribunal listagem de todos os processos em tramitação no primeiro e segundo grau no Estado, o que permite a partes e advogados a efetiva verificação da situação de cada processo individualmente de forma mais do que transparente, além da produtividade de cada magistrado. Tudo isto representa uma nova forma de comunicação com a sociedade e a certeza da efetividade da jurisdição.
Neste viés, e como este tem por objetivo propor mudanças efetivas e representativas do aperfeiçoamento da Justiça do Trabalho, indico que há, necessariamente, de haver alargamento da sua competência constitucional. Não se admite que os trabalhadores que tenham tido o reconhecimento dos seus vínculos de emprego na Justiça do Trabalho sejam compelidos a ajuizar nova ação na Justiça Federal para o reconhecimento do tempo de serviço perante a Previdência Social. Esta matéria é inerente à competência constitucional da Justiça do Trabalho – artigo 114 da Constituição Federal, alterada pela Emenda Constitucional no 45, de 2004.
Assim como os acidentes do trabalho, a função arrecadadora de contribuições previdenciárias e o imposto de renda decorrentes dos processos trabalhistas foram agregados à competência constitucional desta Justiça a partir da referida Emenda Constitucional citada, proponho, nesta data o alargamento desta competência, com a inserção das demandas previdenciárias, hoje afetas à Justiça Federal. Não há razão para que, imediatamente ao reconhecimento de vínculo de emprego, este tempo de serviço não seja agregado à Previdência Social.
E, da mesma forma, as ações que visam haver diferenças do FGTS também devem ser agregadas à competência da Justiça do Trabalho, por não se justificar que as instituições não se comuniquem – órgão arrecadador, no caso, a Caixa Econômica Federal, a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal. Ora, se a Justiça do Trabalho reconhece que determinada empresa não recolhe corretamente os valores devidos ao FGTS e condena no seu recolhimento, deve ser capaz de solucionar as lides que visam a haver daquela as diferenças dos recolhimentos de todos os empregados, indistintamente.
A falta de interlocução entre as instituições acarreta a repetição de atos e procedimentos, afora a impossibilidade, na maioria das vezes, da verificação do que foi recolhido decorrente da condenação pela Justiça do Trabalho e do que é efetivamente devido em razão da ação na Justiça Federal, no que resulta, não raras vezes, em duplicidade de recolhimentos, afora o inequívoco aporte de recursos para a mesma finalidade. Por fim, resta fazer o registro sobre os depósitos judiciais – pressuposto de admissibilidade dos recursos na Justiça do Trabalho –, que enquanto o processo tramita, permanecem à disposição de bancos oficiais, sem que a correção monetária corresponda ao valor efetivamente devido. E tanto é verdade, que ao retornar o processo para ser executado, os valores dos depósitos recursais, que por destinação deveriam garantir a integralidade da execução, pouco ou nada significam, o que importa dizer que este volume gigantesco de recursos está posto à disposição dos bancos, sem que as partes envolvidas – empregados e empresas – tenham qualquer vantagem.
Há urgência na alteração dos índices de correção monetária incidentes nos depósitos judiciais para que sejam os valores efetivamente devidos em cada processo. A imobilização de ativos das diversas empresas demandadas em todo o país, sem os efetivos e justos índices de correção monetária, são indicativos claros de recursos desviados da esfera produtiva para a financeira. Registro, por importante, que o momento atual pelo qual atravessa o país, há situações muito complexas, o que exige uma visão aperfeiçoada não só dos fundamentos econômicos ou financeiros, mas, essencialmente, da reestruturação organizacional das instituições, que devem ser pautadas pela ética e honestidade, o que, por certo, não passa pela extinção da Justiça do Trabalho, uma justiça célere, com cunho social, que visa garantir limites mínimos de cidadania e dignidade.